Lidiane, mãe-moça no sertão

Ontem, dia 4, apesar de todas as surpresas que fomos cometidos pelas maravilhas do Sertão Central, encontramos ao sairmos da farmácia uma jovem mãe com uma menina linda nos braços. Mendigou-nos ajuda. Nathália, emocionada com a cena, comprou uma lata de leite ninho para a filha... - Mas ela tem quantos anos mesmo?, perguntou. - Essa daqui tem 2, mas o mais novo tem 1... Daí começamos uma conversa que se estendeu até o banco da praça e que, para mim, foi um dos pontos mais tocantes até então...

Lidiane tem 23 anos - um ano a mais que eu. Ela tem 5 filhos. 4 meninas e 1 menino (conhecemos somente as 4 meninas). As idades variam de 1 a 5 anos. Ela é casada, mas o marido trabalha em Senador Pompeu e o dinheiro que traz para casa (quando vem uma vez por mês) só dá ou para o aluguel... ou para o leite... ou para a comida...

A conversa progrediu, transformando-se em conversa de amigos. Enquanto as meninas pulavam, gritavam na praça... conversarvamos. Lidiane não trabalha porque tem que cuidar dos filhos. Ela não tem bolsa família porque não tem um RG. Ela não tem RG porque não tem dinheiro para tirar uma segunda via...

Lidiane é invisível no meio da multidão... E os 2,70 reias duramente conseguidos naquela noite de pedinte ela utilizou para comprar uma cumbuquinha de comida, uma batata-frita e um pastel (o dinheiro provavelmente rendeu pela boa-vontade de algumas pessoas que lhes fazem descontos especiais)... Eis que dividiu tudo com as filha. As quatro são lindas. A Maria Beatriz, a mais nova, é tão fofa... - Ela nem fala ainda, comenta Lidiane.

A mãe-mulher-jovem-criança mora em um quartinho minúsculo sem banheiro, sem fogão, sem geladeira... Lá tem uma cama que ela divide com os dois filhos mais novos. As outras três ficam em redes uma sobre as outras... O único banheiro do "condomínio" (composto por mais 18 outros quartinho) é divido comunitariamente. Ele abre às 7h e é fechado às 19h... (- Porque como tem muita gente, ela conta, tem que economizar água... Aliás, quase nunca tem água porque a caixa seca)... - Se precisamos fazer alguma coisa de noite, a gente coloca em sacos e põe no lixo no dia seguinte...

Lidiane sonha em poder trabalhar em casa... Ela queria poder lavar roupas, mas uma das regras do quartinho alugado por 70 reais é: Não pode lavar roupa de gente de fora. E gente de fora também não pode usar o banheiro.

Quando criança, Lidiane perdeu o pai aos 5 anos. Segundo ela, essa foi a melhor fase da vida porque ela PODIA ir à escola. Depois disso, ela e mãe migraram de cidade em cidade. - Eu tenho uma mãe, ela disse, mas é mesmo que se não tivesse... Ela bebe muito e nunca tá nem aí para gente...

Uma coisa importante: Todas as filhas de Lidiane estão na escola. Todas estudam. E a Nathália deixou uma coisa muito claro: Não importa o que aconteça, elas têm que estar na escola. Isso não passou despecebido e Lidiane entende muito bem a mensagem.

Momento reflexivo: Viajar ao interior, é literalmente viajar ao INTERIOR. Interior mesmo. Voltar-se para dentro... Lidiane tornou-se minha heroína. Tornou-se uma amiga. Não sei se vou esquecer dela. Os olhos delas eram tão lindos, tão grandes e ingênuos. Lidiane é o Ceará, o Brasil, a Africa, o Sertão do Mundo interinho... Lidiane. Lidiane. Lidiane. Boa sorte para você, minha amiga.